segunda-feira, maio 08, 2006

“Cheguei de Beirute e o correio me reservava uma fina delicadeza: a cópia de Malungos e Vapores de um lírico genuíno. Tão lírico e genuíno que me pus a cismar: Será que o Só de Antônio Nobre, O Cactos de Manoel Bandeira, e as frutas e as moças e os pássaros e quintais de Rubem Braga se reencarnaram em Elder Oliveira, e fixaram residência na terra das cacimbas Poções? Elder Oliveira, meu camarada de barco ébrio, você sabe os sabores telúricos do “Mapa da Musa”, não caia no mafuá armado das facilidades do lirismo engajado, atinja sempre os ápices de lirismo de “Peixes Peixes”, “Poesia”, “Prosa Brasileira”, “Pimenta Universo Passarinho”, “Belatriz”, “Poeminho Antiquado”, “Lírica” e “Confins”. Sou um dos seus malungos, zarpe seus vapores pelo mundo sem fim!”

Waly Salomão

“Elder: (...) sua poesia contém o que me parece essencial: emoção e lirismo. Podemos sentir o poeta pulsando, o que é muito mais do que encontramos na imensa maioria de livros de versos que se publicam neste país. Você se aprofunda nos sentimentos, na memória, no seu eu profundo – e desta viagem retorna para despertar a emoção do leitor.”

Ruy Espinheira Filho

“A poesia de Elder: Um território com surpresas.
Quando as palavras nos surpreendem, provavelmente estamos num território em que habitam com imantação incomum, provocada por uma intenção de lhes revelar o que a fala desencantada da burocracia quotidiana lhes tira. Esta capacidade de tanger as palavras do espaço da convenção para o espaço da invenção é uma qualidade do poeta. Elder Oliveira permite-nos estas surpresas ao dobrar as esquinas de seus versos, colocando-nos paisagens súbitas, revelações de micro universos de emoções, recuerdos, flashs de vivências... Gosto de conhecer o país que ele inventou.”

José Carlos Capinan

“Elder: você alia, ao lirismo, a força e a coragem de denunciar as injustiças sociais que afloram como chagas vivas no corpo do Brasil. Que esse lirismo e essa poesia participante, no bom sentido, norteiem para sempre o seu estro de poeta jovem, um dos mais sérios que tive a oportunidade de conhecer no decurso da minha já longa vida.”

Affonso Manta

domingo, maio 07, 2006

“Amei por muito tempo um menino
que tinha uma peninha na língua
e vivemos cem anos dentro de uma faca”

Federico Garcia Lorca






PROSA BRASILEIRA


Eu vim feito gosto acre
e silêncio mudo
da arte das velhas porcelanas.
Do câncer das turvas bailarinas.
Das escadas, das esquinas,
dos terreiros.
Dos canteiros férteis
das mandrágoras.
Das horas intermitentes dos
presságios e da insanidade
aguda dos meninos.

Eu vim feito aço
desordem e natureza.
Eu vim da dureza de tudo.

Eu vim feito canto atônito
e solidão acústica
das entranhas mórbidas da terra.
Dos homens de boa maldade.
Dos longos faróis submersos.





ANOTAÇÕES VERTICAIS

p/ Anderson Herzer “Bigode”


O tempo deu defeito.
Os seres se contaminaram
Na fúria desses ventos traiçoeiros.
A imensidão do mundo
Foi pequena para te abrigar.

Gostaria de não saber, e rir
E ser feliz (como se acaso
Não estivéssemos vulneráveis
Às lâminas da solidão...)
Mas o pálido aço dessas usinas
Desvaneceu a luz da primavera
Que havia de aquecer
A luz do amor
A voz do amor.

O tempo deu defeito.
Gostaria de não saber
E me estender no ápice
De um arranha-céu
Que desenhei pra te alcançar.




FOGO-FÁTUO


Voltar.
Esse supetão medonho.
Essa vaidade humana
que se reguarnece.

Voltar.
Esse sonido secreto
de flauta madura
que se alojou na alma da terra.

Voltar
a primazia benfazeja
de teu ventre,
céu azul.

Voltar. Voltar,
enquanto a dor é um estilhaço
e a paixão, um vidro
onde se adentra a luz da fantasia.

Voltar. Voltar,
Um dia.




CRÔNICA CHOVENDO
E PROVINCIANA


O tempo corrói as coisas
As casas
E o coração
Tudo se torna sozinho
Num vago espaço de mundo
E desencontro
Lembranças de tempos perdidos
E de histórias mal contadas
As coisas
Simplesmente prevalecem
Mas o coração e a casa não
Esses têm seus lugares reservados
No culminante ponto
do sentir
É como se tudo fora
Fosse planta sem raiz




ENIGMA DOS CASARÕES
INEXISTENTES


Depois dessas outras portas,
Dessas varandas,
Dessas copas, depois dessas salas,
Desses corredores entre esses quartos,
Depois das cozinhas, desses saguões adentro,
Da última porta aberta frente a mim,

O sol chega e sai.




MATÉRIA


Tempo ressurgido na pele
do pão sobre a mesa.
Entre o olho e a orla
e a talha e o vinho,
minha flauta em
todos os ouvidos.

Tempo que ainda
há de ser rio
como tudo há de ser
ponte entre nós;
este em que a terra anoiteça
no húmus do Japão,
minha língua em todos
os sentidos.




MANIFESTO DE FUNDO
DO TEMPO E DA MAGIA



A era da pitanga roubada
Do sol no bolso do guarda-pó
Dos livros amontoados em uma sala
Onde Robinsons e Peter Pans dormiam
Entre os destroços da Alemanha...
A era da luz na noite meio morena
Do café na mesa e das palavras
Gesticuladas nos serões profundos
Dos letreiros velozes nas janelas
E da bolha de sabão em pó
Bailando aos olhos de Gagarin...

A era do beijo coberto de serpentinas
Do Romanceiro Gitano sob o travesseiro
Da estrela de Guevara na camisa...
A era das cataratas que foram sacrificadas
Em nome de todas as usinas...
A era em que era bom ter um Corcel
Morar em pensão anarquista
Distribuir pirulitos, panfletos,
pipoca, línguas-de-sogra,
embarés, em um lugar comum
De uma era qualquer...




POEMA


Não se perca
O tempo trai
Qualquer companheiro
Como também reverte tudo
O que se passa
Não se perca
Há muita mágoa guardada
Corações de abóbora
E meninos
Loucos
Há muitas tintas nos olhos
Idéias de papel
E sono...
Não se perca
Há muito estoque de perfumes
Másculos deuses de ordem
E seus santificados rebanhos
De porcos.




MALUNGOS E VAPORES


Mensageiro
de água das estâncias,
e corpo de espelho.
Hei de polir a pedra
no limo dos caminhos

Cavaleiro
guapo das estepes,
gen dos invisíveis.
Brutamonte fera
coração de seda

Violeiro
dos tangos e fandangos,
e calangos e congadas.




GATO


Gato em cima de muro
Que obra de arte
Que coisa linda
Córneas de prata
À toa no mundo

Não perde a força
Não perde o tato
Não perde a mira
Não perde a manha
Não perde o pulo

Degola sensível
Devora macio
Que bela morte
Obra de arte




CONTOS DE OLHO


Esperanças e luz
neon.
Grilos opacos de
crianças estratégicas.

Cançãozinha nativa:
concessão de vossos
braços.

Estrelas carnívoras,
víboras cadentes
comendo o fim
do mundo.




PEQUENO POEMA INCOLOR


Ave de flandres abana
a boa brisa
que incendeia e brinca
peralta.
A asa que falta
fere a fina brisa
que leva a ave grandona.




DIÁSPORA


Valerá uma centelha
Um espaço ventando
Qualquer transparência

Valerá vermelho sempre
Em breves campanhas
Pausas estridentes

Um açoite valerá
Sol no algodoeiro
Gente premeditando sob o carvão




ÁLBUM CÓSMICO


Pessoas geografitam
No gelo espesso da inconsciência

Noites gravitam instantâneas luas
Sobre vagalumes automáticos

Pássaros desovam os incandescentes
Pigmentos da aurora
Onde

A lírica tristeza da manhã
Nos contempla com seus grandes olhos




TEATRINHO PARA UM
PÚBLICO SENSÍVEL

era: absolutismo
ato: único


A valsa da borboleta no
bico do bule branco
de areia fina

(...)

Senhoras e senhores,
descansem em paz!




ILHA


Há um lugar que ninguém conhece
Dentro de mim
Sei que é muito úmido
E pousam algumas borboletas
em quando

Plantas espalham-se desordenadas
Tudo é estranho e obscuro
Tem umas pedras encantadas
Uns caracóis, beija-flores
Refletidos numa luzinha colorida
Que vem do meu umbigo
Dos lados
o caos do universo
consumivelmente humano
Tornou-o ilha
Mas não é isso
Que eu quero dizer
É que eu tenho muito medo
Nas noites frias
Tenebrosas
Nesse lugar que em mim
Ninguém conhece
Não moram pessoas
Não passam carros
Nem uma saída
Nem sei se é paz ou solidão...




ESTRO


O momento e o verso
Trançados nas crinas
Comendo nas beiras
Lançando resinas
Nas velhas porteiras
Do grande universo

O verso na espora
Cavalga o momento
Subindo a montanha
Do meu pensamento
São Jorge acompanha
Pelo mundo afora

O verso e o momento
Saltando o espaço
Rodando as esferas
Num contracompasso
Singrando nas velas
Na fúria do vento

O momento flutua
Na onda do verso
Minha lira é canoa
Enquanto atravesso
Mas sempre ela voa
Pra dentro da lua



SE VOCÊ SOUBER


Do poder da eclosão
Da força eruptiva
Do baque, do descarrilo
Do espetaculoso estrondo
E formidável jorro,
Ou coisa a que possa
Equiparar-se, o impulso
De cruzar a meta
De esperar na reta
A colisão, o tombo
O colapso fatídico
Ou outra loucura tão ligeira
Ou outra fratura tão extrema
Ou outra cratera tão profunda
Se você souber...
Se você souber, cara!
Fique longe dessa geringonça
Evite seu raio de ação
Queime uns galhos de alfazema
Para espantar a paixão



CARDUME


Livros atravessam séculos
Quilômetros de velhos pântanos
Onde piranhas entediadas beijam
Os pés de seus poetas preferidos





CAFUNDÓ


Uma cidade sem cego
é uma cidade sem bolso
Imprópria a exploração
de algodão-doce
pedra de isqueiro
lixa de unha...

Uma cidade sem cego
nem quer Deus
lapespisar!





NOVA ERA


Ela é o olhar incerto
Ela é nuvem carregada
Prestes a desaguar
Ela parece contar dinheiro
Ela foge quando me espera
E eu pertenço a sua corja
De eleitos

Eu descubro um neutrino
Na aura dela
Eu sou uma borboleta
Pousada em seu púbis
Até o mundo virar tela





O CURUMIM ESPIÃO


Flores líquidas
Em ondas leves
Molhando o riso
Suando frio

Leve e clara
Na veludez
De tantas águas
Mulher no rio

Fecha os olhos
Menino magro
De meus cabelos
Terás um fio!

Caindo o breu
Uma serpente
Saltou do bolso
E o engoliu...





CASTELO


Pedrinhas peneirai
Pelo amor da Santa Luz
Peneirai peneirai
Só as de cores azuis!

Peneirai peneirai
Pelos ais de tanta dor
Pedrinhas peneirai
Peneirai de toda cor!

Pelos olhos peneirai
Pela terra e pelo mar
Peneirai peneirai
Para El’Rei poder brincar!





NINFA


Nuinha
Contava estrelitas
Pintava a boquita
De roxas frutinhas

Molhava
Com tanto desvelo
Seus negros cabelos
Que o breu escondia

Nas águas
Dum poço encantado
Pra lá do passado
Talvez na Turquia

Dançava
Tão leve e catita
Que a lua bonita
Saía inteirinha






PUBERDADE


O sol ganhou o milharal
Se esparramou devagarinho
Caiu na sombra do quintal
Alvoroçando os pardaizinhos

Depois de ter se esparramado
E afugentado os passarinhos
Caiu nas frinchas do telhado
Para dourar os teus pelinhos





ÉDEN


Apesar da grande saudade
Das lembranças bem cuidadas
Dos momentos ensolarados
Que nuvem alguma apagará

Apesar da longa estrada
Das folhas secas ao vento
Não quero além no passado
Um rosto extinto na areia






NOVELA DE ÉPOCA


Na penumbra
Em órbita na penumbra
O seu chapéu despontava...

Deslizando como um cisne
O século também chegava
Com seus burricos ligeiros

Tabagistas nas calçadas
Espichando seus bigodes
Apostavam alguns mirréis

Numa árvore,
Oscilante arquejava
Madre Ofélia -A excomungada

Além mar
Além céu de brigadeiro
O zepelim a me arrastar pelos cabelos...






CANTO ALENTO


Asas são aí
esses meninos.
Um risco de me perder.
Um brilho de goiaba.
Tempo de pé
na estrada.

Nuvens são esses
homens tantos.
Um grito de me doer.
Um pouco comunhão.
Tempo de medo
não.






CANÇÃO LOUCA


Um navio por mim
Encalhou no litoral
Da Grã-Bretanha

Um leão por mim
Desmantelou uma quermesse
Na Somália

Um chanceler por mim
Renunciou ao trono
Em Berlim

Um avião por mim
Sobrevoou razante
A velha Telaviv

Um navio Um leão
Um chanceler Um avião
Eu gasto um montão de giz






INSTINTO


Há uma trama
Se sabe —sou cúmplice
Não faço mistérios

Uma tramóia
Se sente: seu preço
Não tem medida

Sou um conspirador
Sem alvo e sem espada
Dessa trama incontida






CANÇÃO DAS FIBRAS


Trazer na canção um grito
que seja o cúmulo tesouro
pelo corpo da terra
Que seja espelho e clave
e azul de canindé e seja
nuvem e seja nada
e homem

Trazer no grito
uma canção que seja
o bronze das serras
o acervo das matas
o estrondo das fibras
tocaia à fera

Trazer uma canção que
seja em fogo e festa
filha da coragem estúpida
exposta

Que seja paz e corte
e rio






CIRCENSE


O amor anda solto
E é possível investigá-lo
No olho da moça que desarticula
Dois elefantes, brincando,
Ou esfaqueia essa triste figura
Que a solidão tocou da Itália,
Brincando.

O amor é também provável
Distante dos trópicos
E eterno no seu dom de iludir.
Cravo nesta leveza
Minha sensação de estar voltando
Por aqueles que me freqüentaram
Sorrisos.






CONFIDÊNCIA


O sabor da cidade
Não ficou na gente
Nem nos peixes
Nem nas casas

Mas no velho chafariz
Onde a gente se afogou




TORRENCIAL


Longínquas águas
Contemplam este rio
A coerência dos fluxos
A dinâmica das quedas
O estampido mineral
Que elas provocam
Refletem furtivos arco-íris
Sobre os lençóis
Os amantes mal-agradecidos
Se liqüefazem apressados
Se esbarram nos feixes
De palavras precavidas
Absorvem das escamas
A substância essencial
E morrem de asfixia
Em pleno fevereiro
No próprio litoral






VALSINHAZINHA


Se eras apenas uma rua
Onde eu não pude andar
Decerto um outro andejo
Que atalhou o meu desejo
Te escolheu para brincar

Se eras apenas uma lua
Que eu não fui espiar
Sei que outro errante
Se valeu desse instante
Para contigo ir morar

Se eras apenas uma rosa
Que eu não soube cuidar
Um poeta mais humano,
Talvez um outro cigano
Te colheu em meu lugar






EN FLEUR


Te encontrar na tua juventude
No momento em que teu sangue
Fervilha intensamente sob tuas veias,
Na hora em que tua pele sob o luar
Se faz linguagem de príncipe endoidecer,
De louco flutuar...

No instante em que teus olhos fitam
“Uma cor lá nas montanhas”
Aquela que tu escolheste talvez
Por ser do sol primogênita essência,
Selo dessa harmonia, unção desse querer
Amarelinho-ouro-poente.

Te ter em tempo e espaço
Que permitissem tocar teus cabelos,
Ouvir tua voz, caminhar em tua companhia
Por aí... é tudo o que eu podia
Esperar do destino...

Aliás, sem sombras de dúvida,
É essa tua imagem inaudita
Que me arrasta de um presente estagnado,
De um mormaço recolhido
No meu peito que parou de bater
Pras coisas do coração.





PÁLPEBRAS


Quero a tua suave presença
Porque tens uns anjinhos peraltas
Entre os cachos dos cabelos
Porque há uma imensurável alegria
Em dizer teu nome baixinho ...Clarissa!
(e pra mim mesmo) ...Clarissa!
Para que eu possa adormecer
Com a sonoridade dessa palavra
Que é ímpar melodia.

Será luxo? requinte?
Vaidade das vaidades?
Pecado algum latente?
Como posso desvendar-me
Ao querer presente
Tuas pálpebras, os cachinhos
Olhares, anjos, sorrisos...
Como posso descrever-lhe
Essa fixação fluida
Esse farejar de brisa
Essa obsessão em flor?

Porque sei que somos frágeis
Como bolhas de sabão
De encontro ao espinho
(e sou tão sozinho) ...
Quero a tua presença leve
Peso de um passarinho
Não menos constante
Pois eu sei que sou amante
Das coisas que te fazem bem.





MAÇÃ


Tua parte
Qu’eu gosto
É uma maçã.
Só uma maçã.
A maior prova
Disso é minha
Flecha certeira
Atingí-la sem
Causar nenhum
Alvoroço no
Pomar.





DECLÍNIO


Meu amor canalha
Desfigurado entre a flor e o espinho
Este derradeiro mártir da inconstância
Que não se desviou na curva do caminho

Cavaleiro solitário sem destino certo
Cavalgando pela noite abstrata
Este amor subterfúgio único...
Tiro que saiu pela culatra

Nada mais claro que esse declínio
Amor de homem triste menino
Que desassossegou alheias alianças

Átomo da solidão mais obscura...
Entre este amor e mim insurge a ruptura
E esfacelam-se as nossas semelhanças




UM POEMA RASO PARA UMA
MOCINHA LINDA LÁ DO CONDADO
SERTÃO DA PARAÍBA


De todos os lados da coisa
Brota um desejo louco
De andar descalço
De comer as frutas
Bodocar as casas
Enfrentar a onça
Lambuzar o corpo
Ver chegar o trem
Malinar no sino
Junto com Clarissa

Mesmo sabendo que sou
Menos importante que a missa




PIMENTA UNIVERSO, PASSARINHO...


Cora
Pequenina
Lua branca
Lá no céu
Flor do campo
Luz divina
Passarinho
De papel
Cora
Minha senhora
Olho aberto
A ventania
Campo branco
Flor d’aurora
Essa estrada
De poesia
Lina
Outra menina
Escondida
Em seus versos
Velha ponte
Velha esquina
Essas maneiras
Do universo






CÂNDIDA


Pobre estrela
Que é vista por ela
E nunca vê a minha vida
Sorridente na janela






ALQUIMIA


Em sonho eu faço um cometa
Ser fisgado pelo anzol...
E faço às vezes chover balas
De hortelã no escuro do cinema.

Em sonho eu vou a Roma,
Amsterdam, Pequim, Shangrilá...
Faço flor virar pedra
Faço camelo voar.

Em sonho eu te tenho
Ao meu lado como eu sonho...
E até sonho que isso é tão simples
Como descascar uma laranja
Ou assoviar uma canção antiga
Numa estrada abandonada...




GRAFFITE


Primeiro pularam cordas
Amarelinha
Correram nesses campos
Provaram o gosto
Primeiro cantaram rodas
brincadeiras
Coisas que meninas
Sabem contar
Depois do primeiro beijo
Souberam amar
E caminharam sozinhas
Nessa estrada
Logo falaram em coisas
Liberdade, mapas astrais
Pintaram unhas
Sombras, ruge
vodka
E outros devaneios
Do coração
Agora que nada resta
E tudo é vida
Esperam silenciosas
O cumprimento das horas
Agora que tudo mora
Nuns pequeninos peitos
Debruçam-se nas janelas
E eles vão trabalhar





G’LOBO MAU


Quero englobar-te ao meu coração
Com um prazer de ovelha despostada
No coito dos pactos.
A semana passada
Arquiva-se nos olhos da
Mística sabedoria infinda.
As coisas vão indo
E eu devo englobar-te,
Meu menino.

No baile das bolas
Magnéticas
O mundo é um só
(como quis um sonhador).
Mas o tempo é irrecuperável,
Meu pequeno
E a emoção cai por terra.

Preciso englobar-te ao meu,
Ao teu, ao nosso riso céptico
Nesta jaula colorida
Em nome do sim
Aos camaleões da gótica
E frondosa dialética.

Tenha o sim, meu pequeno,
Aos dígitos da tua própria língua.
Até um dia.





VÁCUO


Deus se adentra
Entre as nuvens

Essas lacrimejam
Parcelas do sêmen
Sobre o mundo

O solo enxerta-se
E flores abrem pétalas
Ao vento

Outra parte
Um anjo cruel e desregrado
Derrama numa boca
Que posteriormente chamaria-se
Buraco Negro do Universo

Mas que na verdade encerra
Uma velha caldeira efervescente
Onde almas esperam
A única gota do sêmen
Capaz de imprimir-lhes nas folhas
As línguas da biodiversidade

O homem é que preferiu
Morrer de fome




POESIA


Trabalha, palavrinha
Pela casa malvestida
Com as costas esfoladas
Pelas modas da vida

Escala entre pedrinhas
A cruz deste apêndice
Pelos olhos feridos
Das hostes presentes

Viaja, palavrinha
Pelos ares, avenidas
Saqueando as mágoas
Que estão contidas

Desfaz tua caminha
Remove em tua lente
A solidão dos homens
Pelos continentes




SÍTIO


São labaredas nas pilhas
São moças capturadas
São oásis maldizidos
São poetas, mamoeiros
Rostos perseverando à meia-luz
À procura das raças

Trinta anos foram vindo
Pelo abismo da janela
Cinza, urnas, devaneios
Deram âmbito essas gerações
De árvores indefinidas e ódios pátrios

Hoje faz exatamente sol
Onde foram incapazes de tocar




CONFINS


Tem nuvem na secura
Palavra armando bote
Entre outras criaturas
As mazelas da sorte
E fumo com rapadura
De mercadores do norte

Tem fome na cintura
A lua seguindo o trote
Em cima da pedra dura
O riacho faz seu corte
Donde a víbora acura
Os tentáculos da morte

Tem olho na desmesura
Pepita caindo o porte
Presságio na noite escura
Glosa acuando o mote
Novena esperando chuva
Jia engolindo pote





O ALIADO


De costas para o verão
Abraçou a cidade
Com a sede de um náufrago
Com a fúria de um hicso
Vasculhou suas tabernas
Varandas, plataformas
Catedrais
Varou esquinas, muralhas
Pilares, alambrados
Matou fiscais, xerifes
Mocinhas cicerones
Comeu castanhas
Tocou o sino
Foi fundo
Na vida
Ali
E
De costas para a cidade
Abraçou o verão...




GUMES


Não há passagem
para fora da cidade
Aqui, as pessoas haverão
de se ligar umas às outras
como o sol está ligando
a branca lua no nadir
como os fiapos de água
mais puros, numa boa
os bitelos oceanos e
estes, o teu olho netuno
Nesta cidade tudo é motivo
de entrega e recompensa
Nenhum beija-flor vacila na rama
Tudo umedece de acordo o toque
As pessoas caminham de mãos dadas
ou não
sob o hálito ofegante das indústrias
Não há saída para quem chegou
ao paradeiro desta pedra
Nesta cidade há um milhão
de gargantas insaciadas
há mais outra porção de delitos
e perfumes armazenados
e as crianças caminham
com quatro patas e lábios
pela vértice dos monturos
O vento assoalha um ótimo astral
sobre a natura inviolável dos estudantes
Aqui, nesta cidade
tantos são os transeuntes
paisanos da utopia






JARDIM DAS DELÍCIAS


Quero sair na manhã
Sangrar o som desse
Instrumento que levo
No canto, essa força
De sonho que insiste
Em pulsar
Quero nesta manhã
Sobrevoar os mistérios
Da imponderável palavra
Vida
Quero beijar a ferida
Que secou
Te encontrar feliz e
Nos olharmos de novo
Certos que os tempos
Não voltam atrás
Quero escutar as histórias
Sentir o vento azul
De uma nova era
E rever as ruínas
De tantos impérios
Quero brincar no teu corpo
Corrermos juntos no brejo
Na indomável vastidão
De sorrisos sem fim
Ah quero sim!





CANÇÃO AZUL


Apresento a palavra
nata, a malícia acudiu
O dia avança velhas
manias boas

A lenda nunca
Termina nunca
Tenho na coragem
Um olho vazado

Apresento o punho
O livro, a escama
A minha face longa
De louro de sol

Sortilégio lento
Na manhã verniz
Um poeta lambe
En las origenes





AS ESTRELAS


As estrelas são lindas
de perto
Embrulhadas
Harmonia cósmica
Corpos deslocados
Lentos
flutuando vão
flutuando vão
flutuando vão

As estrelas são demais
emocionantes
Luminosas
Passam por nós
Ininterruptas
clareando vão
clareando vão
clareando vão

Pelo infinito adentro
Onde não vou cuspir






CIO


Um barco atravessa o horizonte
Dos teus olhos marinhos
No vento azul das calmas ondas
Um sax inflama o silêncio
O sol reflete numa garrafa
O alvor das águas
Sugando o verão





A NOIVA DE DRÁCULA


A natureza entrelaçou
Os possíveis caminhos
As correntes, os elos
Conjugações e atalhos

A natureza expandiu
Atropelou os encalços
Extraviou das esferas
Dinamitou incertezas

A natureza estudou
Aproximou os espaços
Abreviou as vertentes
Bem mais que poderia

E a deu-lhe, enfim
De mãos beijadas
Considerando as pancadas
Contrariando os estios






ELEGIA


Os desenganos são farpas
Desgovernadas na ventania
São papéis incinerados
Solenemente ao acaso...
Os desenganos são folhas
São víboras, são castelos
Soterrados pela solidão
De um fumo tragado...
Os desenganos fenecem
Extrapolam o espaço
São cortinas hasteadas
Na cerração das tempestades.





MADUREZA


O tempo venceu
Ah! O tempo... não reconheço
Não era este...

Seu tempo excedeu
Não quero... não posso
Compreender-lhe... Em tempo,

Que o resto possa implodir-se
Devagarinho, sem calma
De noite, com chuva

O tempo, e não eu
Nem flor nem passarinho
Abrisse o sol como um mamão






PRENÚNCIO


A cerâmica do vale
Vislumbrada de mãos em mãos
A manhã nascendo
Escancarada como um sorriso
O pão integral e a vizinha
Bondade de Dona Eulália
D. Eulália -
Pequena declaração do Mistério
Que a manhã será bacana




BELATRIZ

p/ Rita Santana


Rua rústica
Lua mística
Na linguística
Luzem trechos
Dobram seixos
Ungem fósseis

Asas brandas
Nas varandas
Dos ofícios
Guardam senhas
Gralham vícios
hominídeos

Alma cítrica
Mão rupestre
Que não volta
Que nem flauta
No nordeste
Das enzimas




CIRANDA


As montanhas
Noite, vento que chia
Vara as luzes da cidade
A saudade é tanta
As montanhas
Vagas, luminosas
no papel
A lua madura
Uma viola
Viagem, canção
Vento do Himalaia
Saia de renda
Desejo de partir
Novo que virá
Outro dia
Prosa de velhos
Riso de minas
Céu de balões
De meninos
no ar






PEIXES PEIXES


Peixes, peixes, peixes
Na palma da minha mão
Olha o vento
Olha a vela
Olha o maracatu

Peixes, peixes, peixes
No fundo do meu barquinho
E a lua vai brilhando
E a rede vai lançada
Viva essa ciranda
Dend’água

Peixes, peixes, peixes
Guardados no meu balaio
Adeus água salgada
Iemanjá, noite fria
vou pra casa de maria
vou pra casa de maria




POEMINHO ANTIQUADO


O luar é branco
Extasiantemente branco
Como os lençóis dos quartéis americanos
O luar é tão branco
Como o sorriso de Preto Velho
Uma duna de sal ...

É branco
Límpido
Marmóreo
Cândido
Pálido
Glacial

O luar não é cor-de-prata
Prata é cor de tesoura
De fechadura
De moeda e punhal
A cor da lua é branquinha
Cor de calcinha nupcial ...






MODINHA MARROM


Na terra morena do sertão
no cume da pedra plantada
há uma estrada esquecida
e um medo dali.

Na pelugem velha da mata
no olho bugre da fera
há um espreguiçamento
e um talo de capim.

Meu coração bucólico
é uma lagoa cálida.
Deixo o sertão entregue
ao mestre Zé Mariano.




DECALQUES


Margens, traços... supremacia
Desse vulto mulher
É tudo e somente
O que vivo a cultuar

Mas que poderá, um dia
Cair entre meus braços
E se lançar pra sempre
Desse indigno altar

Para nunca se perder
Nessa loucura platônica
Numa pintura abstrata

E a gente se querer
Nessa fissura atômica
Sob uma lua de prata




O CIRCO


Eu sou um palhaço vadio
Saltimbanco e espalhafatoso
Cheio de bolinhas na cara
Debaixo de um céu furado
A vida,
Acho que é tudo isso aí
/... alegria
E que a terra gira
Como colorida
Bolha de sabão
no ar
Presságios nunca muitos tive
Nem vontades
Apenas vivo
Para alegrar
Mas não há como negar
Que esse palácio encantado
Do Planalto
Vem sendo moralmente
Um circo armado
E que o desconforto, a desnutrição
A mortalidade, a desesperança
O abandono total
Das nossas crianças
Por vosso reinado
Não vem tendo plenamente
Graça nenhuma




O CANDEEIRO


Enquanto não te encontro
Nos troncos das árvores
Frutíferas
Esperando a safra
Aqui neste canavial
Vou destilando o sonho
De algum dia
Ficarmos juntos
Nos campos livres
e não
Na visão enfumaçada
Dessa lente
ou
Na embriaguez
Desses dias vinculados




O SONHO


Desvairado esse balão
Vai onde o sonho se apronta
Para descer sobre a terra
Com seu estro de nuvens
Onde estamos perdidos
Onde estamos famintos

Ah se esse balão pudesse
Me levar também consigo
Pelos Andes e acordes
Dessa viola caipira
Ou nos ombros da morena
Para ser meu cicerone!

Ah meu balão bonito
A cidade está vazia
E uma flor com seu perfume
Cresce com vasta opulência
Quer seja atroz esse mundo
Quer seja nossa esperança!

Desvalido esse balão
Cai como mancha acesa
Nos recônditos quaradores
Com seu rastro de cinzas
Onde somos nossa casa
Onde temos quase nada






O LICOR


Enquanto não te encontro
Nos troncos das árvores
Frutíferas
Esperando a safra
Aqui neste canavial
Vou destilando o sonho
De algum dia
Ficarmos juntos
Nos campos livres
e não
Na visão enfumaçada
Dessa lente
ou
Na embriaguez
Desses dias vinculados







LABOR


Minha maneira manhã
cintila suas cordas
sobre a flor exata do som

Teu ouvido cavalga
oníricas montanhas
desta pólvora-poesia




LÍRICA


É fina delicadeza
Tão suave textura
O vinho da realeza
Não retém a doçura
De si toda a graça
Tão sagrado sorriso
Olhar que ameaça
Acender o paraíso
Com uma rosa rubra
Ela se assemelha
Que só a mim cubra
De pétalas vermelhas





ESTRATÉGIAS DE GALA


Quando orfeu premiar a orquestra
Quando tocar nossa grande seresta
Vou agarrar minha superstar
E sequestrá-la do meio da festa

Serve qualquer camarim ou se for
Pra tal reputação um elevador
E o autógrafo do seu batom
Ficará no paletó como uma flor






TARDE VIRTUAL


Era toda uma tarde
Encravada nos rochedos
Procissões de nuvens
Rastreavam o infinito
A tua imagem viajante
Me seguia entrecortando
Os paredões da chapada

No silêncio, a música
Cibernética dos elementos
Regedores dos cristais
Fundia-se à tua voz
Maviosa que a brisa
Tangia dos extremos

Adiante dos séculos
Luas e ciclos da era das
Multidimensões visionárias
Te esperava, um dia
Como foi sonhado ...
Em tubos de quinta-essência

E fostes adentrando
Meus penhascos cristalinos
Impregnando a tua seiva
Em meus córregos de vidro
Eras a ninfa que a brisa
Soprava em meu catavento




MAPA DA MUSA


Há flores disformes
Sementes eternas
Espécies de cores variadas
e outras sutilezas menores
imperceptíveis

Há brincos e graças
rubis e centelhas
Há tons de beleza infinda
e legiões de querubins
tocando cornetas

Uma estrela guia
Um passo na areia
Um silêncio de onda
Há fendas submersas
Nos templos de Atlântida

Há tanto mais que
A forma o sinal
O invisível e carnal
Sentimento conhece
No fundo desses olhos

Em cada poro
Em cada cílio
Há um mastro de vitória
Uma pétala espremida
Entre teu coração e meu beijo






MACONDO


Certo que levaremos guardados
no fundo
O cheiro de terra molhada
O azul das praças
O verde dos quintais
A sede de estradas
De fantasias
Como doce condução de vida

Certo que também irão conosco
Todo bicho da serra
Toda água de coco
Toda mulher da vida
Toda poeira de nós

Olhem essas andorinhas
Elas vêm detrás do Pacífico

Malungos e Vapores & outros poemas, livro de versos, assinala a estréia de Elder Oliveira na literatura. Como o poema que dá título ao livro indica, o escritor se apresenta como poeta-mensageiro, poeta-cavaleiro, poeta-violeiro, que determina sua atitude poética e conseqüentes constantes temáticas, daí advindas. A leitura dos poemas, portanto, vai plasmando a imagem de sua poesia que se caracteriza pela riqueza de conteúdo, carregada de metáforas de grande poder sugestivo, traduzindo a inquietação e a contestação social de um estado poético aberto ao mundo e ao momento histórico.

O sentido geral que estrutura o universo e a preocupação do poeta, enquanto artista da palavra, pode-se evidenciar claramente pelo verso de Prosa Brasileira que abre o livro: “Eu vim da dureza de tudo”.

Ser poesia-espelho de seu tempo torna-se a motivação básica desse canto que pretende interferir, perturbar, como “gosto acre”, mas, principalmente, insistir como necessidade: “Eu vim feito aço”. O poeta sabe de que é feito e porque faz. Partindo daí é que se compreendem os versos contidos em Malungos e Vapores.

Seria pretensioso tentar, num prefácio, analisar essa voz lírica em profundidade, concorrendo com a expectativa do leitor cuja sensibilidade, certamente, será estimulada pela força significativa da linguagem.

Não é difícil, no entanto, perceber que há uma recorrência de certos temas que vão se desenvolvendo gradativamente, à medida que a leitura vai evoluindo: a preocupação com o tempo, o discurso eminentemente lírico em que se manifestam a presença de Eros e a intenção metalingüística.

Nota-se que a passagem do tempo é percebida pelo poeta em vários níveis, que são evidentes na expressividade dos poemas. Às vezes, refere-se ao tempo que marcou uma fase da vida que o obriga a resgatar lembranças de “tempos perdidos”, como os amores do passado, a infância e outras experiências vividas, como são reveladas no poema Manifesto de Fundo do Tempo e da Magia. É o tempo mágico que não se pode recuperar. Outras vezes, fala do tempo defeituoso que contamina os seres “Na fúria desses ventos traiçoeiros” (Anotações Verticais), tempo corrosivo, que carrega em si não só a destruição como a transformação em algo não muito aceitável. Também revela a ambigüidade, ou seja, guarda a esperança ou o desejo de retorno: “Voltar. Voltar, / Um dia”, afirmado em Fogo - Fátuo. Mas é no tempo-rio do sonho, que flui inexoravelmente, reservando possibilidades futuras, que o poeta também se realiza, como se confirma em Matéria: “Tempo que ainda / Há de ser rio / Como tudo há de ser / Ponte entre nós”.

A sensualidade se salienta no discurso lírico, confirmando o movimento, a leveza, a dinâmica temporal, estimulando sensações perdidas ou reencontradas, como se observa nos versos: “Quero englobar-te ao meu coração / Com um prazer de ovelha despostada / No coito dos pactos” (G’lobo Mau). Ou ainda: “Ah quero brincar no teu corpo / Corrermos juntos no brejo / Na indomável vastidão” (Jardim das Delícias).

O poeta busca o prazer da liberdade, da emoção pura e natural, revelando uma forte consciência urbana que, pela imposição do progresso, modifica o homem e a paisagem e faz aflorar os desejos mais recônditos, através da perda das convenções sociais, como se expressa em Um Poema Raso para uma Mocinha Linda lá do Condado Sertão da Paraíba: “De todos os lados da coisa / Brota um desejo louco / De andar descalço / De comer as frutas / Bodocar as casas”.

Mas o que representa a poesia para Elder Oliveira? Solidária e participativa, este é o seu destino traçado: “Viaja palavrinha / Pelos ares, avenidas / Saqueando as mágoas / Que estão contidas” (Poesia).

Homem de interior, o poeta se universaliza, ultrapassando o regional, para revelar sua natureza essencial na proposta a que se impõe, como “palhaço vadio”, no grande circo da vida, porém consciente de sua meta, implícita no Jardim das Delícias: “Quero sair na manhã / Sangrar o som desse / Instrumento que levo / No canto, essa força / De sonho que insiste / Em pulsar”.

Creio que restam muitas portas por abrir e muita surpresa a se descobrir, ainda, nessa obra e no percurso a ser trilhado por Elder Oliveira.

Zélia Nunes Saldanha
A poesia de Elder Oliveira penetra o leitor pelo misto de leveza e força que contém, a um só tempo. Através de versos repassados por uma profunda consciência do essencial, Elder pincela com notas de ternura, de desencanto muitas vezes, de nostalgia umas outras tantas, a complexidade do momento atual, da vida brasileira em particular.

Fazendo um verso solto e fluido, muito vizinho da prosa, Elder Oliveira brinca com as palavras e lhes dá novas dimensões e as faz renovadas em imagens fortes, criativas e singulares. É assim que se lê em Canção das Fibras.


Trazer na canção um grito
"que seja o cúmulo tesouro
pelo corpo da terra.
Que seja espelho e clave
e azul de canindé (...).”


A consciência do mundo, do seu tempo é aguda no poeta, aliando-se a uma preocupação cósmica, essencial. Essa aparente contradição, entretanto, é resolvida quando o poeta a tudo envolve por um halo de encanto e magia. Se em Confidência Elder diz que “O sabor da cidade / não ficou na gente / Mas, no velho chafariz / Onde a gente se afogou”, no Manifesto de fundo, do tempo e da magia, ele fala da “era das cataratas que foram sacrificadas / em nome de todas as usinas”.

Pode-se perceber que o poeta, de olhos abertos para o agora, para as graves questões sociais (Graffite, Sítio) é, a um só tempo, o ser que se envolve no todo e tem a noção exata da plenitude, da força das emoções profundas e por isso se faz terno, afetivo e doce (Macondo). Seu olhar se volta para a falta de perspectivas, para a ausência de sentido, para a necessidade da alegria (Enigma dos casarões inexistentes), do mesmo modo que se volta, subjetivamente, para suas próprias perdas e decepções (Valsinhazinha), enquanto que se faz sério e profundo em Anotações Verticais.

Os acentos temáticos do poeta se revelam em um verso moderno, atual, às vezes lúdico, em recorrências simbólicas evidentes. O ritmo é repassado de tons da linguagem oral do cotidiano. Nesses momentos, a anáfora é a figura marcante, como se lê em Enigma dos casarões inexistentes:


“Depois dessas outras portas
Dessas varandas,
Dessas copas, dessas salas,
Desses corredores entre esses quartos,
Depois das cozinhas, desses saguões
[adentro, (...).”


Essa modernidade se expressa também através de constantes intertextualizações e das pinceladas de elementos típicos da realidade contemporânea, a exemplo do já referido Manifesto de fundo do tempo e da magia. E esse espírito de ser de hoje inscreve ainda a profunda preocupação com o tempo. E intertextualizando Drummond, o poeta diz que “O tempo corrói as coisas / As casas / e o coração”. Decorre daí a consciência de um tempo que se eterniza em duração, pois “As coisas/ Simplesmente prevalecem”, assim como decorre a solidão: “Não estivéssemos vulneráveis às lâminas da solidão...”.

Essa perspicácia do poeta frente ao sentido e o valor das coisas o faz aspirar ao autêntico, ao telúrico, porque é raiz, e a sua poesia aspira ser um canto de paz, como se lê em Canção das Fibras:
“Que seja paz e corte e rio”

Margarida Cordeiro Fahel